Saúde. “Não consigo mais andar nem falar”: a rotina diária de quem sofre de enxaqueca

Não, não é "só uma dor de cabeça". É ficar deitado no escuro, perder a memória, não conseguir mais interagir com ninguém, vomitar de dor. As consequências da enxaqueca, que afeta mais de 10 milhões de pessoas na França, são graves. A Organização Mundial da Saúde (OMS) a classifica como a segunda doença neurológica mais incapacitante. "A enxaqueca é uma doença vergonhosa. Não falamos sobre ela, especialmente quando você é homem", insiste Sabine Debremaeker, presidente da Voz dos Que Sofrem de Enxaqueca. Poucos dias antes da quinta Cúpula Francófona da Enxaqueca, agendada para 20 de setembro, a associação, criada em 2018, publica os resultados de uma vasta pesquisa sobre o impacto das enxaquecas no dia a dia. E há muitas palavras para descrever o sofrimento daqueles que sofrem com elas: "deficiência", "inferno", "dor" e "sofrimento" são as mais usadas entre os 1.095 entrevistados, com idades entre 30 e 59 anos.
"Algumas pessoas me chamavam de fracote."Mégane, de 30 anos, tentou trabalhar como esteticista por dois anos e meio. "Foi um inferno", confessa. Ataques constantes, licenças médicas, incompreensão da gerência... "Alguns colegas, mas também médicos, me chamavam de fraca", explica a mulher que agora trabalha por conta própria para lidar melhor com a imprevisibilidade da doença. Um dia, foram os clientes que tiveram que chamar os bombeiros.
“A enxaqueca é uma série de eventos intracerebrais”, explica a Dra. Virginie Corand, neurologista e membro da Sociedade Francesa para o Estudo das Enxaquecas e Dores de Cabeça (SFEMC). Existem muitos fatores desencadeantes : luz e cheiros fortes, flutuações hormonais, estresse, falta de sono, excesso de trabalho, hipoglicemia, etc. “Os piores são as enxaquecas hormonais e tensionais. Quando acontecem, assim que acordo, não consigo engolir nada, nem mesmo saliva, senão vomito. Não consigo andar nem falar, não consigo fazer nada”, diz Mégane. Como mais da metade dos entrevistados (52%), Mégane já teve pensamentos suicidas: “Eu disse a mim mesma que seria mais fácil não estar mais ali. Parar de sofrer.”
Somando-se ao sofrimento, há também um sentimento de culpa: 77% dos entrevistados afirmam que sempre ou frequentemente se sentem culpados por impor a imprevisibilidade das enxaquecas ao parceiro. "Dois terços das pessoas não conseguem fazer as tarefas domésticas", diz Sabine Debremaeker, que conta que precisa recorrer a ajuda em casa. "Vivemos no ritmo das minhas enxaquecas. Sinto-me culpada por atrapalhar a vida da minha família. Todas as tarefas domésticas recaem sobre o meu parceiro", acrescenta Mégane.
A enxaqueca também afeta gravemente as funções intelectuais. Durante as crises, 94% dos pacientes relatam problemas de atenção e 79% relatam problemas de memória. Esses sintomas persistem fora das crises em quase um em cada dois pacientes. Somam-se a isso problemas de organização, orientação e interação com os outros. "O simples ato de pensar se torna doloroso", explica a Dra. Virginie Corand. Estudantes do ensino fundamental, médio e superior também são afetados. "Durante uma crise de enxaqueca, leva-se três vezes mais tempo para estudar", ressalta a Dra. Olivia de Begasse de Dhaem, neurologista nos Estados Unidos. Ela acrescenta: "Pacientes jovens muitas vezes não são levados a sério. Precisamos conscientizar funcionários e alunos das escolas para auxiliar no diagnóstico."
Embora os tratamentos de crise possam, por vezes, proporcionar alívio a alguns pacientes (46%), são frequentemente insuficientes (17%). Apenas 5% dos entrevistados afirmam que funcionam sempre. E quem sofre de enxaqueca paga um preço elevado . Dois tratamentos são comercializados, mas não são cobertos pela Segurança Social em França. Custam 245 euros e 270 euros por mês, respetivamente. Do outro lado da fronteira, na Bélgica, os tratamentos são reembolsados desde 2021. "O feedback é claro: os pacientes regressam ao trabalho, retomam a vida social e tornam-se pais ou parceiros novamente", argumenta Sabine Debremaeker. O trabalho continua.
A quinta Cúpula Francófona da Enxaqueca acontecerá no sábado, 20 de setembro, a partir das 16h. Estará disponível gratuitamente no canal do YouTube La Voix des migraineux.
Le Républicain Lorrain