A proposta de habitação do PSOE ameaça aumentar os impostos sobre todos os tipos de propriedades.

O novo imposto que o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) pretende aplicar a não residentes que compram casas na Espanha gerou incerteza no setor imobiliário e entre especialistas em tributação. Diversos escritórios de advocacia consultados expressaram preocupação por considerarem confusa a redação do projeto de lei apresentado pelos socialistas ao Congresso dos Deputados em 22 de maio sobre moradia acessível, tanto no que diz respeito a quem deve ser tributado quanto ao tipo de imóvel. O Artigo 4 do texto sugere que o imposto afetaria todos os tipos de imóveis, incluindo imóveis comerciais e industriais, o que poderia afetar investimentos imobiliários que não tenham relação com habitação.
O projeto de lei proposto para promover o aluguel de moradias populares detalha a criação de um novo imposto, denominado imposto complementar estadual sobre a transmissão de bens imóveis a residentes de países terceiros. O imposto "incidirá sobre a transmissão onerosa de bens imóveis situados em território espanhol", bem como sobre "a constituição e transmissão de direitos de propriedade que sobre eles incidam", e afeta pessoas físicas e residentes de países terceiros. A ideia por trás desse imposto é dobrar o custo inicial do imóvel, já que uma sobretaxa de 100% é aplicada ao valor do imóvel.
José Suárez, sócio da área tributária da Pérez-Llorca, ressalta que o documento não especifica o que deve ser entendido como bens imóveis, nem se o imposto incide apenas sobre um deles. "Como diz o ditado latino, onde a lei não distingue, nós também não devemos, e, portanto, deve-se considerar que o imposto se aplicará a todos os bens imóveis, sejam eles residenciais, comerciais ou industriais, e estejam ou não localizados em áreas de risco", ressalta.
O novo imposto afetará as transações sujeitas ao Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITP), que geralmente se aplica a imóveis usados, ou seja, segundas transmissões e subsequentes. Isso não se aplica a imóveis novos, que pagam IVA. Alguns dos especialistas consultados também indicam que a regra geral é que, quando a transmissão é entre empresas e profissionais, ela estará sujeita ao IVA e não ao ITP, portanto, não estará sujeita ao novo imposto na maioria dos casos. Para isso, a empresa teria que renunciar à isenção do IVA e, posteriormente, recuperar o imposto sobre valor agregado dentro de sua atividade.
Raquel Jurado, técnica de pesquisa da Secretaria de Assessoria Econômica Tributária (REAF), insiste na mesma linha: "A venda de um imóvel, seja uma casa , um estabelecimento comercial ou um terreno, estará sempre sujeita ao IVA ou ao imposto oneroso de transmissão de imóveis. Neste último caso, seria afetada por este imposto complementar." A redação da proposta legislativa do Grupo Parlamentar Socialista, prossegue a especialista, espelha a estrutura do imposto de transmissão de imóveis: "Entendemos que as transações sujeitas ao imposto de transmissão de imóveis também estarão sujeitas ao imposto complementar", afirma.
A consultora tributária dá o exemplo de uma "unidade econômica autônoma", que é, por exemplo, um supermercado ou uma academia. "Como a transferência de um negócio é global, a transação não está sujeita ao IVA, mas se houver um imóvel dentro dessa unidade, ele estará sujeito ao imposto sobre transmissões onerosas de imóveis e também a esse imposto complementar", esclarece.
Fontes do governo reconhecem que a redação da proposta dá margem a essa interpretação, mas explicam que a proposta ainda precisa ser negociada no Congresso com os parceiros, por isso o novo imposto pode sofrer alterações em relação ao que está proposto atualmente.
Javier Seijo, sócio da EY Abogados e responsável pela área de tributação imobiliária, destaca que a proposta afeta todos os tipos de imóveis e considera que existe uma incompatibilidade com o IVA, de modo que se a venda estiver sujeita a IVA, o novo imposto complementar não se aplica.
"O problema surgirá em casos de transferência de ativos, onde a distinção entre IVA e o novo imposto é complexa, ou quando ativos imobiliários são transferidos por meio de uma empresa", explica Seijo, que acredita que isso pode ocorrer em casos em que "a empresa é adquirida em vez do ativo, onde pode surgir a questão de se o uso de uma empresa pode ser considerado artificial pelas autoridades fiscais". Ele acrescenta: "Esperamos que o imposto complementar não entre em vigor, porque só aumentará o litígio, com um imposto que violaria o direito da UE, é contrário à livre circulação de capitais e é confiscatório".
“Do ponto de vista técnico, e com base no projeto atual, este novo imposto proposto não afetaria apenas a habitação, mas também outros ativos imobiliários , como escritórios e ativos comerciais ”, observa Pelayo Oraá, sócio da área de Impostos Corporativos da KPMG Abogados. No entanto, acrescenta, nestes casos é mais incomum que a transação esteja sujeita a este imposto, não só porque estes ativos são normalmente adquiridos através de empresas espanholas e, portanto, não seriam adquiridos diretamente por um estrangeiro, “mas também porque normalmente, mesmo se adquiridos por um residente fora da União Europeia, é aplicado o IVA, um imposto que se espera ser incompatível com o novo imposto.”
O sócio imobiliário de uma empresa internacional concorda que a palavra "imóveis " na proposta é "enganosa" e deve-se observar que esse termo também se estende aos direitos imobiliários.
Erros sobre a quem se dirigeUma advogada de outro importante escritório de advocacia internacional também enfatiza que a proposta socialista excluiu apenas os residentes da UE do imposto, quando, em sua opinião, este deveria se aplicar a todos os residentes do Espaço Econômico Europeu (que inclui países não pertencentes à UE, como Noruega, Islândia e Liechtenstein). O Tratado EEE, explica ela, oferece as mesmas liberdades que o Tratado da UE e, consequentemente, eles não podem ser discriminados.
Suárez, de Pérez-Llorca, também alerta que, de acordo com o texto da lei, o imposto de 100% poderia ser aplicável a cidadãos espanhóis que, por exemplo, foram cedidos pelo seu empregador a um país fora da UE e desejavam comprar uma casa na Espanha.
EL PAÍS