Como me consolo quando penso que estou morrendo?

Imagino que, para muitos, eu ainda seja muito jovem, mas, apesar da minha idade, já sofri vários sustos cardíacos e fui hospitalizada por problemas cardíacos. Já estive no limiar de um lugar onde você não sabe se está viva ou morta, a um passo de dizer: então era isso.
Aos cinco anos, percebo que meus amigos também estão desenvolvendo doenças; invejo as deles, pois algumas doenças são mais agradáveis do que outras. Minha fibrilação atrial é uma dor, para dizer de forma direta e rápida, porque durante as crises, que podem durar horas, a morte pode chegar em um instante, mal tendo tempo de fechar os olhos. O bom do coração é que não dói, mas é muito assustador. Isso, paradoxalmente, e uma vez passada a angústia, também gera uma sensação muito agradável do que chamam de carpe diem. Desde o início da minha arritmia, ficou gravado na minha memória que estamos aqui para dois noticiários. É por isso que celebro e abraço com gratidão tudo o que me acontece e não me preocupo que as coisas boas não sejam eternas, porque entendo, mesmo não concordando com Paulo Coelho, que nada é. É por isso que, quando um jornalista me pergunta: David, o difícil não é ter sucesso, mas sim manter-se, isso não te deixa tonto?, respondo: de jeito nenhum. Se meus leitores desaparecerem da noite para o dia, vou me mudar para um país distante, mudar de nome e começar uma rotina e uma profissão diferentes. Há infinitas maneiras de se reinventar.
Em dias de taquicardia agressiva, projeto cenas que me conectam com o David de alguns anos, sempre feliz.Volto ao título desta coluna. Nas ocasiões em que penso que posso morrer a qualquer momento, o abraço de um amigo me acalma, principalmente se for um parente ou meu namorado, mas não é suficiente. No entanto, há uma coisa que realmente me acalma: visualizar minha infância e tentar retornar a ela, àquele tempo livre de tristeza. Para isso, engano minha mente.
Descobri esse truque depois de me mudar até quarenta vezes. Para me ajudar a dormir, às vezes eu abria os olhos na escuridão do meu novo quarto e tentava me lembrar da última cama que havia chamado de lar. Enviava informações falsas ao meu cérebro e conseguia induzi-lo a pensar que eu estava em um quarto diferente, em um momento tranquilo da minha vida. Faço algo parecido quando estou doente.

A Loja de Pássaros da Transilvânia
Em dias de taquicardia agressiva, projeto cenas que me conectam com o David de quando jovem, aquele que sempre ficava feliz por não saber que era mortal. Imagino-me deitado no sofá da sala dos meus pais, com sete anos, muito sonolento e coberto pela toalha de mesa, assistindo televisão antes da escola. Procuro no YouTube os desenhos animados que eu assistia naquela época: A Loja de Pássaros da Transilvânia. Assisti-los me acalma. Forço um pouco mais a ilusão e me obrigo a pensar que minha mãe vai me fazer torrada com geleia de pêssego na cozinha todas as manhãs — que, aliás, nunca mais experimentei, porque estou guardando esse sabor para a regressão que terei que passar um dia, quando minha mãe não estiver mais aqui.
E assim, meu coração se acalma e adormeço feliz.
Ah, que vida é essa!
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