O caso Cienfuegos, um caso que agora assombra o governo Sheinbaum

CIDADE DO MÉXICO ( Processo ).– A pedido da presidente Claudia Sheinbaum, a Procuradoria-Geral da República (FGR) apresentará novamente um relatório sobre o caso do general Salvador Cienfuegos, secretário de Defesa Nacional durante o governo de Enrique Peña Nieto, que foi preso em 15 de outubro de 2020, no aeroporto de Los Angeles, a pedido da DEA (a agência antidrogas dos Estados Unidos), e liberado em 18 de novembro daquele ano após a intervenção do governo de Andrés Manuel López Obrador.
Agora, a posição do governo mexicano, liderado por Claudia Sheinbaum, é que os EUA libertaram o general porque ele é inocente, embora documentos no processo judicial incipiente naquele país indiquem que ele foi libertado por razões de política externa.
Além disso, há declarações do próprio López Obrador que confirmam seu envolvimento no caso: "Senti que estavam cometendo uma injustiça", disse ele.
Em outubro de 2020, o governo federal manobrou para que o Secretário de Defesa Nacional de Peña Nieto fosse libertado no México. O acordo com os EUA previa que ele seria investigado no México com base em informações que Washington havia compartilhado com as autoridades mexicanas. No entanto, o general foi exonerado em janeiro de 2021.
Retorno controversoEm fevereiro de 2025, durante a Marcha da Lealdade, Cienfuegos retornou ao debate público após subir ao pódio do evento. Meses depois, ele reapareceu no debate nacional após declarações de Jeffrey Lichtman, advogado de Ovidio Guzmán — filho de El Chapo Guzmán —, um traficante que recentemente chegou a um acordo judicial com a justiça americana.
"A ideia de que o governo dos Estados Unidos incluiria o governo mexicano em qualquer tipo de negociação ou decisão (sobre Ovidio) é absurda. Basta pensar no caso do General Cienfuegos, um caso bastante recente."

O caso Cienfuegos inevitavelmente traz à mente as declarações contraditórias feitas pelo então presidente López Obrador sobre o general de Peña Nieto, cuja responsabilidade foi presumida porque o processo contra ele nos Estados Unidos foi interrompido, diferentemente do destino do superpolicial do então presidente Felipe Calderón, Genaro García Luna, que foi condenado e preso nos Estados Unidos por tráfico de drogas.
Em 15 de outubro de 2020, AMLO se expressou assim no contexto da captura do general: “Estamos diante de uma situação inédita porque ele (Cienfuegos) está detido pela mesma acusação que o Secretário de Segurança Pública de Felipe Calderón (García Luna).
Este é um sinal inequívoco da decadência do regime, disse AMLO, de como o serviço público, a função governamental no país, se deteriorou durante o período neoliberal. Eu sempre disse que não foi apenas uma crise, que foi um declínio, um processo progressivo de degradação, e agora estamos testemunhando a profundidade dessa decadência que vem se formando há algum tempo.
López Obrador disse: "Devemos continuar insistindo, e espero que isso também sirva para entender que o principal problema do México é a corrupção".
Dois dias depois, o então presidente do Morena também considerou que, se, no julgamento nos Estados Unidos, "o General Cienfuegos for considerado responsável, ele deve ser punido. Se outros oficiais estiverem envolvidos e isso for comprovado, eles devem ser punidos. No caso de García Luna, o mesmo se aplica".
O presidente López Obrador apoia a decisão do Ministério Público de exonerar o general Salvador Cienfuegos. Ele alega que a DEA fabricou os crimes contra o ex-secretário de Defesa. Não há provas para iniciar um julgamento... pic.twitter.com/vvD5wpvcfr — DDC+ (@DDConfianza) 15 de janeiro de 2021
Como se não bastasse, o então presidente descartou o uso de quaisquer recursos de seu governo para defender Cienfuegos e encaminhou o caso para assistência consular. "Quando se trata de mexicanos sendo processados ou detidos no exterior, eles recebem apoio, há assistência consular, mas não há recursos para defender supostos autores de crimes. Essa possibilidade não está sendo considerada. Acredito que o julgamento está apenas começando", disse ele.
No mesmo dia, o general Cienfuegos, que recomendou seu sucessor (Luis Cresencio Sandoval) ao então presidente eleito López Obrador, escreveu uma carta ao nativo de Tabasco, carta que ele incluiu em seu livro Halfway Along the Road.
Na declaração, escrita da prisão nos Estados Unidos, o general afirmou que foi vítima de "uma detenção arbitrária, injusta e humilhante, na frente da minha família, pelas autoridades de combate às drogas deste país".
Cienfuegos afirmou que as acusações contra ele eram falsas e, portanto, "solicito sua intervenção para que o julgamento que me foi imposto seja agilizado e minha inocência possa ser comprovada. Considero extremamente grave o que está acontecendo, não apenas para mim e minha família, mas também para mim mesmo. É uma questão que transcende a mim ou ao que represento ou representei (...) o importante é que há uma grande injustiça, sinto-me impotente e não tenho recursos para pagar um julgamento neste país (...) Aguardo sua suprema determinação."

A posição do presidente López Obrador mudou então 180 graus, e ele se tornou um defensor do general de Peña Nieto.
A favor de Cienfuegos, seu caso se desenrolou paralelamente ao desenvolvimento do processo eleitoral nos Estados Unidos. Nesse contexto, embora López Obrador tenha feito poucas declarações públicas sobre o assunto, o ex-presidente revelou que, nos bastidores, houve uma série de apelos e esforços do governo federal para trazer o general de volta ao poder.
Depois veio a série de exposições sobre a intervenção do Estado mexicano no retorno de Cienfuegos.
López Obrador não teve dificuldade em afirmar: "O que foi feito neste caso foi intervir em assuntos políticos e diplomáticos para expressar nossa insatisfação com um fato ocorrido e decidiram julgá-lo nos Estados Unidos sem o conhecimento do nosso governo.
Isso vai além do arcabouço legal. Isso não significa que não seja legal. Havia um acordo de colaboração assinado anos atrás sobre esse assunto, mas não foi aplicado e, no caso em questão, foi violado porque não tínhamos nenhuma informação.
"Temos que esperar o juiz decidir sobre esse pedido (...) achamos que o procedimento não foi cuidadosamente pensado."
AMLO: “Houve uma intervenção.”
Em outubro de 2020, o trabalho do Ministério Público, chefiado por Alejandro Gertz Manero, sob um acordo existente, levou o Departamento de Justiça a pedir à juíza Carol Amon que rejeitasse as acusações contra Cienfuegos — por motivos de política externa — o que não se traduz em uma declaração de inocência do general.
Esta decisão agradou ao presidente mexicano:
Quero agradecer ao governo dos Estados Unidos por ouvir nossa posição e corrigi-la neste caso.
No México, a Procuradoria Geral da República, como parte do acordo com os EUA, iniciou uma investigação e, em apenas alguns meses, Cienfuegos foi exonerado.
Para López Obrador, o prestígio do Exército, instituição fundamental para o Estado e seu projeto de governo, estava em jogo... "E isso não é pouca coisa. Não podemos permitir, sem os meios necessários, que se minem nossas instituições fundamentais; além disso, o México é um país, não esqueçamos, livre, independente, soberano", disse o tabascoense na ocasião.
Ali mesmo, López Obrador foi claro: "Então, como essa é uma questão importante para o México, em todos os sentidos, foi por isso que houve intervenção, e sim, o que foi mencionado naquela declaração, que houve intervenção diplomática. Sim, houve. Tanto que o Secretário de Relações Exteriores conversou com o promotor, conversou com o embaixador dos EUA; uma nota foi enviada. Sim, houve intervenção para chegar a um acordo."
Isso confirma que os Estados Unidos não permitiram a transferência de Cienfuegos para o México porque ele era inocente; apenas rejeitaram suas evidências, que foram então enviadas às autoridades mexicanas para investigação do general.
O que o Departamento de Justiça disse ao juiz foi que "há questões ou assuntos que têm a ver com política externa e reconhecemos uma parceria muito forte entre o México e os Estados Unidos para combater o crime, incluindo o tráfico de drogas, e é por isso que consideramos ou pedimos que essas acusações sejam retiradas para que o General Cienfuegos se mude para o México e seja o México, em primeira instância, que resolva a situação legal (...) Para permitir a investigação no México e seu potencial processo em primeira instância no México", leu Marcelo Ebrard, Secretário de Relações Exteriores no mandato anterior de seis anos, atualmente Secretário de Economia.

Após a exoneração do General Cienfuegos, eclodiu um confronto entre o governo mexicano e a DEA, a agência antidrogas dos EUA. O presidente López Obrador alegou que a agência fabricou crimes contra o militar.
O presidente López Obrador apoia a decisão do Ministério Público de exonerar o general Salvador Cienfuegos. Ele alega que a DEA fabricou os crimes contra o ex-secretário de Defesa. Não há provas para iniciar um julgamento... pic.twitter.com/vvD5wpvcfr — DDC+ (@DDConfianza) 15 de janeiro de 2021
A resposta não demorou a chegar do outro lado do Rio Grande, com o próprio Departamento de Justiça anunciando: "Estamos profundamente decepcionados com a decisão do México de encerrar sua investigação e compartilhar as informações que foram compartilhadas com ele confidencialmente".
A indignação da DEA também foi provocada pela divulgação, pelo governo mexicano, de algumas das informações confidenciais que o governo americano compartilhou sobre o general. Isso "coloca em dúvida se Washington pode continuar compartilhando informações para apoiar as investigações criminais do México".
Ainda em 2023, o presidente López Obrador afirmou que "a insatisfação fundamental (nos EUA) é porque intervimos em uma ação que consideramos uma violação de nossa soberania pela DEA, e ficou provado que eles fabricaram crimes contra o Secretário de Defesa do governo anterior, mas independentemente do fato de ele ter sido o Secretário de Defesa do governo anterior, pudemos confirmar que foi vingança".
Ele chegou a destacar sua defesa de Cienfuegos: “Assim como eu saí para defender o General Cienfuegos porque percebi que era uma injustiça, na política é preciso ter um instinto certeiro, e isso funcionou para mim. Então, assim como eu saí para defender, para dizer: vamos ver, me tragam tudo, isso é muito estranho (...) se Calderón diz que García Luna é inocente, por que ele não o ajuda, se Calderón é advogado, e intervém para defendê-lo? Por que ele se cala?”
Agora totalmente livre, o General Cienfuegos desfrutou de condecorações recebidas do próprio Presidente López Obrador e convites para o presidium da Marcha da Lealdade em 2025, a primeira liderada pelo Presidente Sheinbaum.
ContradiçõesEm 10 de fevereiro, quando questionado sobre a presença de Cienfuegos em um evento presidencial, Sheinbaum afirmou que os Estados Unidos libertaram o general porque não havia provas; e quando lembrado de que sua libertação no México se devia ao acordo e compromisso de que ele seria investigado, o presidente federal rejeitou essa alegação.
???? SHEINBAUM JUSTIFICA A PRESENÇA DO GENERAL CIENFUEGOS E REJEITA AS PROVAS CONTRA ELE Claudia Sheinbaum defendeu a presença do General Salvador Cienfuegos na Marcha da Lealdade e afirmou que não há provas suficientes contra ele.
??"Se houvesse provas, eu não faria isso... pic.twitter.com/BE8Q82Y2Mf — Juan Ortiz ???????? (@Juan_OrtizMX) 10 de fevereiro de 2025
"Sabemos que Cienfuegos foi devolvido ao México, mas por causa de uma intervenção do governo mexicano", lembrou o repórter ao presidente Sheinbaum, "na qual foram discutidas questões relacionadas à relação bilateral México-Estados Unidos, mas não especificamente porque ele foi levado a julgamento lá e na qual ficou provado ou não que ele estava em conluio com o crime organizado".
–O Ministério Público dos Estados Unidos naquela época (ainda era o primeiro mandato do presidente Trump) não tinha provas (...) Você acha – Sheinbaum perguntou a este repórter – que se o governo dos Estados Unidos realmente tivesse algo contra o general Cienfuegos, o teria libertado?
Em outro momento da sessão de perguntas e respostas, o líder federal declarou:
"Não, desculpe. Não havia motivo, não havia provas suficientes, esse foi o motivo da soltura."
"No México, certo?", explicou Sheinbaum.
–E nos Estados Unidos –reiterou o presidente.
Na coletiva de imprensa da manhã do dia seguinte, este repórter trocou perguntas e respostas com o procurador-geral Alejandro Gertz Manero.
"Se o governo dos Estados Unidos retirou a ação porque os documentos não incluem todas as considerações às quais você se refere, ele simplesmente retirou a ação e enviou toda a documentação que tinha sobre o caso ao governo mexicano", disse o promotor.
–Houve uma comunicação formal em que eles disseram: “Bem, sim, nós nos retiramos porque, na verdade, não havia nenhuma evidência”?
– Vejamos, camarada, por favor... Quando você notifica oficialmente uma entidade jurídica, e neste caso um Estado, de que a denúncia apresentada não é sustentada por nenhuma prova, e lhe dá a oportunidade de apresentar provas, você não precisa fazer nenhuma determinação ou julgamento além de "sim" ou "não". Você aceitou que esse não exercício era legalmente válido. Você aceitou! Camarada, por favor.
Na época, o promotor Gertz Manero alegou que o caso no México estava concluído e que não havia recebido nenhuma denúncia dos Estados Unidos. O que ele nunca conseguiu confirmar foi a existência de um documento no qual os Estados Unidos declararam oficialmente que não tinham provas e que, por sua inocência, estavam libertando o General Salvador Cienfuegos. Isso, de fato, nunca aconteceu, pois delegaram a investigação à Procuradoria-Geral da República (FGR).
O governo mexicano afirmou que suas declarações eram verdadeiras e não a versão oficial, apesar de os Estados Unidos não terem afirmado explicitamente a inocência de Cienfuegos. Além disso, como López Obrador confirmou repetidamente, houve intervenção de seu governo que levou à libertação do General Cienfuegos no México.
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