Émile Cioran. Pensador do crepúsculo europeu, fiel ao brilho da dúvida

Quando Émile Cioran faleceu em 20 de junho de 1995, deixou para trás um rastro de dúvidas não menos disseminado que o número de seus admiradores. Seria ele realmente um homem sombrio? Seria sua obra fruto de um espírito irascível e hostil? O pessimismo que lhe era atribuído era genuíno ou apenas uma farsa, como sugeriu George Steiner? Seria ele altivo, presunçoso? Seria Cioran cínico?
Alguns dizem que ele era amigo dos amigos e frequentemente tinha um lado humorístico. Simone Boué, sua companheira por mais de três décadas, lembrava que Henri Michaux e Samuel Beckett o tinham em particular estima. Gabriel Marcel, o filósofo católico, "o adorava", segundo Boué, embora "ficasse horrorizado com o que ele escrevia".
Boué também conta que Cioran gostava de fazer reformas em casa: "Ele adorava fazer artesanato. Costumava dizer que, quando usava as mãos, existia com mais intensidade."
Roberto Juarroz, que costumava visitá-lo, fez-me uma descrição calorosa dele. Costumavam se encontrar no apartamento da Rue de l'Odéon, onde o ensaísta e sua esposa sempre moraram. Roger Callois havia traduzido grande parte da Poesia Vertical de Juarroz para o francês, mas Cioran preferia ouvi-la lida pelo autor em espanhol. "Ele amava a nossa língua", lembrou Juarroz.
Patrice Ballon, em seu Cioran l'hérétique , do qual não conheço uma versão em espanhol, afirma: “Este mestre do pessimismo contemporâneo, como os dicionários o definem sem muito discernimento, não apenas lidou habilmente com o humor e a ironia em seus escritos, mas também foi na vida cotidiana uma das pessoas mais engraçadas que se poderia encontrar.”
II. Cioran era um homem de extremos. Em sua juventude, celebrou o nacional-socialismo. Na Berlim de Adolf Hitler, admirava a disciplina e a garra alemãs. Demonstrou essa identificação em alguns de seus primeiros escritos. Em "Transfiguração da Romênia ", publicado quando tinha 25 anos, em 1936, declarou que somente o nazismo despertaria seu país da letargia em que vegetava.
Patrice Ballon é quem melhor explorou esse período romeno. Ele estava na França havia muitos anos quando autorizou a reedição de Transfiguração da Romênia em Bucareste. Mas essa edição não inclui mais as páginas obscuras de 1936. Cioran nunca se retratou abertamente de tê-las escrito. Pode-se dizer que, de fato, e ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que condenava todo extremismo, também o repudiou tacitamente. Sua obra francesa posterior desafia repetidamente o fanatismo e critica constantemente as ideologias. Mas nada foi suficiente para impedir que esse silêncio intransigente ensurdecesse os ouvidos daqueles que, ao mesmo tempo, o estabeleceram como um dos pensadores mais originais de seu tempo.
III. É preciso dizer que, mesmo em suas obras mais reflexivas, o pensamento de Cioran nunca perdeu o apego às polarizações. Da exaltação totalitária de sua juventude, ele passou para o ceticismo radicalizado de seus últimos anos. Ele mesmo admite: "Alternei entre adorar e execrar numerosos povos". Admitir isso o libertou daquela tendência premente e frustrante à idealização. Mas não da intransigência.
Cioran era mais relutante em abraçar qualquer coisa, nesse sentido, mesmo depois de a ter idolatrado, do que a filosofia. Dedicou-lhe sua carreira universitária e dela se distanciou como escritor. “Afastei-me da filosofia a partir do momento em que me foi impossível descobrir em Kant qualquer fraqueza humana, qualquer traço de verdadeira tristeza; nem em Kant nem em nenhum dos outros filósofos. Comparada à música, ao misticismo e à poesia, a atividade filosófica brota de uma seiva diminuída e de uma profundidade desconfiada que reserva privilégios apenas aos tímidos e mornos. Por outro lado, a filosofia — inquietação impessoal, refúgio de ideias anêmicas — é o recurso daqueles que evitam a exuberância corruptora da vida.” Essa condenação dificilmente pode ser aplicada a Kierkegaard ou Nietzsche. Mas também é verdade que nenhum deles era, para Cioran, filósofo no sentido clássico do termo.
O autor de História e Utopia detesta a exuberância do discurso explicativo, a tentativa de sufocar a natureza irredutível da dúvida. Em sua opinião, quem insiste em encontrar uma razão suficiente para tudo ignora os limites do pensamento demonstrativo e, sobretudo, os imperativos da paixão. A paixão é sempre resolutamente pessoal e indiferente a qualquer aspiração à universalidade. Ela fala de um sujeito em sua singularidade. E é isso, para Cioran, que deve reger seus pronunciamentos. A vida, afirma ele, exige apenas amor ou ódio, adoração ou medo, e entrega completa às suas turbulências, à sua luz e à sua escuridão. Ela consiste em nada além "daquela alternância de felicidade e horror que expressa o próprio ritmo do ser, suas oscilações, suas dissonâncias, suas veemências amargas ou alegres". A anemia emocional é, então, em sua opinião, a característica patológica do discurso filosófico: um discurso que não pertence a ninguém e que se propõe como porta-voz de todos. Que distância entre Cioran e Fichte que, no início do século XIX, escreveu: “A filosofia de um homem é o reflexo do seu temperamento”!
IV. Comparando a arte com a metafísica, Cioran a coloca nos antípodas do descrédito a que Platão a condena, embora para ele o autor do Fédon seja o único filósofo clássico digno de admiração, certamente porque em sua prosa o poeta era mais poderoso que o raciocinador.
Cioran insiste: a filosofia é “uma profissão sem destino que preenche as horas neutras e vagas com pensamentos volumosos, as zonas refratárias do Antigo Testamento, de Bach e de Shakespeare. Teriam esses pensamentos se materializado em uma única página equivalente a uma exclamação de Jó, um terror de Macbeth ou uma cantata? O universo não é discutido; ele é expresso. E a filosofia não o expressa.”
As avaliações estéticas de Cioran são, no entanto, ontológicas. Referem-se à maior ou menor densidade com que a existência é capturada na arte. Na música, em sua opinião, essa inscrição atinge sua maior profundidade e transparência mais substantiva. Em termos de intensidade, ele a considera ainda mais fundamental do que a poesia. Bach, segundo ele, vai além de Shakespeare; não na expressão do inteligível, mas na manifestação do indiscernível. "Emoções sonoras brotam de afeições incontroláveis, do que há de mais luxuriante, distante e profundo no homem", observa. E, após afirmar isso, radicaliza sua abordagem: a música, no mundo moderno, “é um fenômeno sem paralelo em nenhuma tradição. Onde mais podemos encontrar o equivalente a um Monteverdi, um Bach, um Mozart? Graças a ela, o Ocidente revela sua fisionomia e atinge sua profundidade. Embora não tenha criado uma sabedoria ou uma metafísica que fossem absolutamente suas, nem mesmo uma poesia que se possa dizer incomparável, projetou, como contrapartida em suas produções musicais, toda a sua força original, sua sutileza, seu mistério e sua capacidade para o inefável. Soube amar a razão até a perversidade; seu verdadeiro gênio, porém, é um gênio afetivo”.
Cioran não apenas destaca esse "gênio afetivo". Ele aspira que a força de sua inspiração permeie sua escrita. Ele admitirá que é um pensador, nunca um filósofo. Precisamente porque vê na filosofia a manifestação extrema dos abusos da razão. Mais do que isso: Cioran quer ser um artista antes de ser um pensador. Sua principal preocupação: o estilo, a tonalidade da expressão. Ele aspira encontrar beleza na concisão. Contundência na brevidade. Ele verá no aforismo o recurso perfeito para infundir em suas ideias a tensão e as sinuosidades que busca ao escrever. Ele quer fazer ouvir o silêncio primordial onde a palavra inspirada culmina; essa imponderabilidade última que preserva a realidade para aqueles que ousam alcançá-la. Suas ideias, mais do que ideias que inspiram concordância ou dissenso, são ideias imbuídas de emoção. Suas, portanto, poderiam ter sido aquele verso que Fernando Pessoa pôs na boca de seu heterônimo Ricardo Reis: "O que em mim sente é pensar".
V. A Europa o excita. O presente, no qual, em sua opinião, ela se perde, e a veneração que seu passado desperta nele competem por seus sentimentos. Esse contraste o dilacera. Ao retratar o Velho Mundo, Cioran parece dividido entre a exaltação e o desânimo. A Romênia não lhe parece mais a única angustiante. Ele sente que todo o continente caminha, em termos espirituais, para um futuro sombrio. A Europa perdura, diz Cioran, mas não vive mais. Perdeu sua centralidade. Ele está convencido: sua reconstrução após a Segunda Guerra Mundial pode ser deslumbrante, mas esconde uma fragilidade substancial. A Europa definha e se esvai, atolada na inércia de um pensamento anêmico e sem vida. Em termos de impacto global, ela não significa mais nada. Outros são os protagonistas do momento.
Transformada em um vasto museu, à mercê da incessante enxurrada de turistas, a Europa se apoia na evocação de seu passado e transforma sua grandeza perdida em uma oferta comercial. Mas isso não consegue disfarçar sua irrelevância atual, os fracassos de seu presente. Sua retórica, a publicidade açucarada de sua história, mesmo seu crescente bem-estar econômico, não mascaram, aos olhos de Cioran, a fragilidade de seu projeto político, suas rachaduras, a tragédia de ter sobrevivido a si mesma.
“Nem tudo está perdido”, escreve ele com visão e ironia. “Os bárbaros permanecem. De onde surgirão? Não importa. Por ora, basta saber que seu ataque não tardará a chegar, que enquanto se preparam para celebrar nossa ruína, meditam sobre os meios de pôr fim ao nosso raciocínio. (...) Murchos, sem vida, não podemos reagir contra o destino: os moribundos não se sindicalizam nem se amotinam. Como, então, podemos contar com o despertar, com a ira da Europa? Seu destino e até mesmo suas rebeliões estão decretados em outro lugar. Cansada de suportar, de dialogar consigo mesma, é um vazio para o qual as estepes logo se mobilizarão... Outro vazio, um novo vazio.”
Cioran, um niilista? Uma alma corroída pelo desespero? Um jovem escritor certa vez o agraciou com esses títulos. "Você frequentemente me censura pelo que chama de meu 'apetite pela destruição'. Saiba que eu não destruo nada; eu anoto, eu anoto o iminente, a sede por um mundo que está sendo anulado e que, sobre a ruína de suas evidências, corre em direção ao inusitado e ao incomensurável."
George Steiner tinha pouca ou nenhuma simpatia pela obra de Cioran. Mas é inegável que ele compartilha duas de suas convicções básicas. Uma, sobre a música como a manifestação suprema do gênio ocidental; a outra, sobre a decadência da Europa consumada no século XX. Naquela época, afirma Steiner, a Europa cometeu suicídio em duas guerras mundiais. “Duas guerras mundiais que foram, na realidade, duas guerras civis europeias. […] A Europa Ocidental e a Rússia Ocidental tornaram-se a casa da morte, o palco de uma brutalidade sem precedentes, seja em Auschwitz ou no Gulag. (...) Estima-se que cem milhões de homens, mulheres e crianças pereceram em guerras, fome, deportação e limpeza étnica. (...) À luz — não deveríamos dizer “na escuridão”? — desses fatos, a crença no fim da ideia da Europa é quase uma obrigação moral. Com que direito sobreviveríamos à nossa desumanidade suicida?”
VI. Do colapso da metafísica e da ruína das ideologias que a sucederam, emerge "outra resposta à hecatombe, consistindo em um novo tipo de esforço filosófico: pessoal (até mesmo autobiográfico), aforístico, lírico, antissistemático". Essa era a opinião de Susan Sontag em meados do século passado. E para ela, Cioran é sua voz mais inspirada.
Qual é o objetivo agora? Trata-se de impor um longo e merecido silêncio ao racionalismo. "O que conta são as nossas sensações e suas virtudes."
Reiteramos: Cioran denuncia a asfixia sofrida pela emoção pessoal às mãos do despotismo do abstrato e dos mandamentos do silogismo; uma hipertrofia da subjetividade, a seu ver, desencadeada por Aristóteles. A devastação da sensibilidade europeia, entende Cioran, não se consumou graças ao refúgio que encontrou na música e, secundariamente, na poesia. Ademais, a Europa, no século XX, naufraga num oceano discursivo desprovido de substância existencial. Reduzir o problema da verdade às propostas do entendimento científico, exaltando o ideal positivista pela devoção ao Princípio da Não Contradição, equivale a confundir as contribuições da leitura e de um procedimento analítico com a domesticação do intangível e uma compreensão estreita da vida espiritual. Para o ensaísta, isso nada mais é do que uma rendição ao inesgotável, à eminente característica da realidade.
VII. Cioran se importa — e somente se importa — com o homem que, sabendo-se um por uma vez, consagra sua palavra à maravilha e ao tormento de sua finitude. O indizível, afirma ele, não é contemplado pelos devotos da abstração. No apego às generalizações, o perfil mais íntimo do homem europeu evaporou-se.
Claro, há exceções. O essencial sobrevive em algumas. Quando alguém se dá verdadeiramente a conhecer, projeta-se no que diz, habitado pelo imponderável, por aquela insinuação última do ser que ultrapassa toda a linguagem, que pode ser percebida, mas não capturada em palavras. Em suma, o homem com quem Cioran se importa é capaz de transmitir em suas palavras o efeito que essa imponderabilidade imprime em sua consciência, transformando-o num estranho que se reconhece como tal.
Recuar, evitar o transbordamento verbal, reagir com a máxima concisão à avalanche discursiva em que o Ocidente enterrou sua perplexidade filosófica original. Isso e nada mais, na opinião de Cioran, é responsabilidade do escritor do nosso tempo. Além disso, a fonte primordial da qual Cioran extrai a força dessa convicção é — já foi dito — a música; um sentido liberto de todo significado, como Agostinho de Hipona sabia. Música, e somente música, e sobretudo a de Bach. Cioran, Steiner entende, "experimenta em seus oratórios e cantatas, em sua música de câmara, um chamado à resistência, uma espécie de ressurreição".
Essa resistência palpita em seus escritos. Cioran imbui o ensaio francês de uma eloquência inovadora e de uma força temperamental. A intensidade com que se expressa, a paciência artesanal (sabemos disso pelo que está escrito em seus Cadernos ) com que constrói seus textos escapam sempre às armadilhas da ostentação verbal e comprovam o ponto decisivo: que a força de sua vocação literária era mais forte para ele do que qualquer um de seus argumentos a favor do chamado ao silêncio. Ou melhor ainda: que nada fortaleceu tanto sua apreciação do silêncio quanto o talento expressivo com que soube abordá-lo.
Cioran era um estrangeiro em todos os lugares. Nem é preciso dizer, em sua Romênia natal. Ele encontrou refúgio apenas na língua francesa. Era seu lar, seu asilo, seu consolo. O cinzel com o qual moldou sua desolação e seu contentamento. Cioran, um pensador do crepúsculo europeu, um verdadeiro herdeiro de Montaigne, Nietzsche e Pascal, fala assim sobre a época em que viveu: “No auge, os valores são procriados; no crepúsculo, desgastados e desfeitos, eles são abolidos. O fascínio da decadência, épocas em que as verdades não têm mais vida, em que se acumulam como esqueletos na alma pensativa e seca, no ossário dos sonhos […]. Lembre-se da frase de Flaubert: 'Sou um místico e não acredito em nada'. Vejo nela o adágio do nosso tempo, um tempo infinitamente intenso e sem substância.”
Quem sabe bem, sabe melhor, adverte Tomás de Aquino. Cioran direcionou o alcance dessa proposição para a impotência: "O verdadeiro conhecimento se reduz à vigília na escuridão". O que costuma ser chamado de verdade "é um erro insuficientemente vivido".
Estar certo, silenciar a dúvida, sufocar a confusão. Tais são os imperativos da vida cotidiana. "As mentes humanas precisam de uma verdade simples, uma resposta que as liberte de suas perguntas, um evangelho, um túmulo." Trata-se, em essência, de encontrar abrigo contra o ataque do enigma irredutível que cerca o próprio fato da existência. "O ser ultrapassa o entendimento, o ser é assustador", escreve Cioran.
Cioran, o Cioran que importa, é aquele que, após seu período romeno, se torna um exilado do inequívoco. Farto de promessas redentoras, de uma cegueira dogmática, diante do reducionismo em que as ideologias incorrem, ele se volta contra si mesmo como um crente finalmente cansado dos sucessivos desencantos impostos por seu apego obstinado à fé. Ele é então conquistado para sua causa pelo brilho inesgotável da dúvida. O sotaque de suas palavras torna-se o de um agnóstico. Ele zomba da coerência arrogada pelos preconceitos, pela unanimidade, por crenças que exigem subordinação. Como um náufrago ao seu pedaço de madeira, Cioran se apega à sua descrença. "Este homem que não acredita em nada", lembra Fernando Savater, "tem paixão pela escrita". Verdade. Sua imaginação verbal é inesgotável. Ela o molda e o nutre. Como estilista, Cioran pertence à família dos poetas do pensamento. Em Cioran, a certeza ficou sem futuro. Os métodos empregados em sua prosa dramatizam o tormento de uma sensibilidade que só encontrou sustento na criação. Nietzsche escapa do desespero fomentando um ideal: o do super-homem. Em Cioran, não há ideais. Sim, um consolo infinito: a música de Bach.

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