Trump corteja Putin – isso tem a ver principalmente com sua perigosa estratégia para a China

Putin foi recebido como um parceiro igual na cúpula nos EUA, mas sem qualquer progresso no conflito na Ucrânia. Enquanto Trump coloca em risco a segurança da Europa, as táticas de Putin fortalecem principalmente a China.
Vladimir Putin foi reconhecido nos Estados Unidos como um parceiro de negociação igualitário, o que fortaleceu a Rússia . A Ucrânia não estava sentada à mesa de negociações, mas sim à mesa. Enquanto Trump ameaça comprometer a segurança da Ucrânia e da Europa, tentando, sem sucesso, afastar a Rússia de seu relacionamento com a China, as táticas de protelação de Putin também favorecem o principal rival dos EUA, a China.
O presidente dos EUA, Trump, recebeu o presidente russo, Putin, com um tapete vermelho, um sobrevoo militar e um passeio na limusine presidencial, mas sem nenhum progresso concreto no conflito na Ucrânia.
Apesar de grandes espetáculos e gestos simbólicos, Trump não conseguiu obter concessões de Putin. O presidente russo continua a exigir o cumprimento de seus objetivos de guerra, em particular a desmilitarização da Ucrânia e a negação de sua adesão à OTAN.
O Dr. Josef Braml é um cientista político e especialista em assuntos americanos com mais de 20 anos de experiência em pesquisa, que atua como Diretor Europeu da Comissão Trilateral. Ele faz parte do nosso Círculo de ESPECIALISTAS . O conteúdo representa suas visões pessoais com base em sua experiência individual.
Putin não demonstrou disposição para concordar com um cessar-fogo. Durante a cúpula, as forças russas continuaram seus ataques no leste da Ucrânia. Isso também é do interesse da China: enquanto os EUA estiverem distraídos com os problemas de segurança na Europa, poderão dedicar menos tempo à região da Ásia-Pacífico para conter a ascensão econômica e militar da China.
Ao sacrificar os interesses de segurança ucranianos e europeus, Trump tenta dissociar a Rússia da China. Até mesmo internacionalistas liberais como Charles Kupchan há muito tempo defendem uma reaproximação pragmática com a Rússia para conter a China.
Essa estratégia tem um precedente histórico, mas as realidades geopolíticas mudaram. Enquanto o presidente Nixon e seu conselheiro Kissinger cortejaram a China com sucesso para enfraquecer a União Soviética, a tentativa de Trump de uma estratégia "Kissinger reversa" está agora fadada ao fracasso. A China está habilmente jogando o próprio jogo da triangulação — utilizando tensões geopolíticas para equilibrar a Rússia e os Estados Unidos um contra o outro.
A tentativa de Trump de jogar a Rússia contra a China é frustrada pela realidade: a parceria estratégica entre Moscou e Pequim é muito mais sólida hoje do que durante a cisão sino-soviética. Os dois Estados apoiam-se mutuamente em questões geopolíticas fundamentais, como Taiwan e Ucrânia. Graças, em parte, às sanções ocidentais, a Rússia está intimamente ligada à China, econômica e estrategicamente, para se afastar de Pequim — mesmo que os EUA queiram fazê-lo.
Desde o início da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, em fevereiro de 2022, a situação política global mudou fundamentalmente. O debate internacional concentra-se não apenas no confronto direto entre a Rússia e os Estados ocidentais, mas também no papel de terceiros que poderiam se beneficiar dessas mudanças. A China é a principal beneficiária da guerra na Ucrânia e das mudanças globais decorrentes.
A análise a seguir mostra quais fatores políticos, econômicos e estratégicos fortalecem a posição da China.
Uma vantagem econômica fundamental para a China advém das mudanças drásticas nos mercados globais de energia. Devido às sanções ocidentais contra a Rússia, Moscou teve que desenvolver mercados alternativos para seus recursos energéticos. A China aproveitou essa situação e conseguiu comprar petróleo e gás russos a preços significativamente reduzidos desde 2022. Essas reduções de preços fortalecem a economia chinesa, visto que a energia representa um dos maiores custos para a indústria.
A China também se beneficia das condições favoráveis de fornecimento da Rússia para outras matérias-primas, como carvão, metais e fertilizantes. Os dois países têm firmado cada vez mais contratos em rublos e yuans, reduzindo sua dependência do dólar americano e fortalecendo a posição internacional da moeda chinesa.
A importância do yuan chinês nos pagamentos internacionais aumentou. Cada vez mais empresas russas e de outros países não ocidentais estão realizando negócios na moeda chinesa para contornar as sanções. Isso está acelerando o processo de desdolarização e fortalecendo a posição da China como potência econômica global.
Ao transferir muitos fluxos de mercadorias — por exemplo, da Europa e dos EUA para os mercados asiáticos — a China conseguiu consolidar sua posição como a "oficina do mundo". Empresas ocidentais que antes produziam ou eram abastecidas pela Europa Oriental tiveram que buscar alternativas. A China oferece vantagens como um local estável e bem conectado. A demanda por produtos intermediários chineses aumentou, especialmente em engenharia mecânica e eletrônica.
A exclusão da Rússia do acesso à tecnologia avançada ocidental está forçando Moscou a cooperar mais estreitamente com a China. A China se beneficia dessa parceria, especialmente nas áreas de tecnologias militares e digitais, como navegação por satélite, sistemas de vigilância e tecnologia de drones. Ao mesmo tempo, a China pode expandir sua própria capacidade de inovação tecnológica por meio do fortalecimento de comunidades de pesquisa e de joint ventures com empresas russas.
Além disso, a China está investindo fortemente em setores estratégicos como semicondutores, energias renováveis e eletromobilidade. A incerteza nos mercados globais e a escassez de certos produtos permitiram à China expandir sua posição como um parceiro comercial indispensável. A Iniciativa Cinturão e Rota também está recebendo um impulso adicional de novos projetos de infraestrutura na região da Eurásia.
O conflito alterou o equilíbrio de poder entre Moscou e Pequim a favor da China. Enquanto a Rússia está isolada internacionalmente, a China, como o parceiro remanescente mais importante, pode ditar os termos e influenciar a direção da política externa de Moscou. A dependência econômica da Rússia em relação à China aumenta a cada nova rodada de sanções.
A China está explorando essa situação para expandir sua influência na Ásia Central, na região do Pacífico e além. Ao mesmo tempo, Pequim se apresentou como mediadora e pacificadora — por exemplo, por meio do plano de paz de 12 pontos de 2023 — sem tomar partido claramente.
No entanto, Pequim está agora mostrando sua verdadeira face: de acordo com uma reportagem do South China Morning Post, o Ministro das Relações Exteriores Wang Yi declarou em conversa com a chefe de política externa da UE, Kaja Kallas, que a China não quer que a Rússia perca a guerra. Seu raciocínio: um colapso russo poderia levar os EUA a voltar toda a sua força contra a China. Essa declaração marca um afastamento notável da retórica anterior de neutralidade da China e ressalta o interesse estratégico de Pequim em um conflito contínuo, porém controlado, na Ucrânia.
A guerra na Ucrânia está ocupando os recursos e a atenção do Ocidente na Europa. Os EUA e a UE são forçados a dedicar recursos financeiros e militares significativos para apoiar a Ucrânia e manter sanções contra a Rússia. Isso ocupa recursos que poderiam ser alocados à região da Ásia-Pacífico e, em particular, à contenção da China.
Ao mesmo tempo, a guerra está intensificando o debate interno no Ocidente sobre dependência energética, gastos com defesa e orientação estratégica. A China pode explorar esse enfraquecimento e essa distração para expandir sua influência no Mar da China Meridional ou em Taiwan, por exemplo, sem precisar contar com uma frente ocidental unida.
A China busca o objetivo de substituir a ordem mundial dominada por valores ocidentais por um sistema multipolar. Uma ordem mundial multipolar refere-se a um sistema internacional no qual múltiplos Estados ou centros de poder exercem influência. A guerra na Ucrânia está contribuindo para a erosão do domínio ocidental e dando à China o ímpeto para ajudar a moldar as instituições e regulamentações internacionais de acordo com seus próprios interesses. Como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, a China pode ajudar a moldar o debate internacional e se posicionar como representante dos Estados do Sul Global.
A China conseguiu usar a guerra na Ucrânia a seu favor de diversas maneiras. Beneficia-se da importação de matérias-primas baratas, pode ganhar influência econômica e geopolítica e explorar o enfraquecimento do Ocidente. De modo geral, a guerra na Ucrânia acelerou a ascensão da China a uma potência central em um mundo multipolar e alterou permanentemente o equilíbrio de poder global.
Este artigo é do Círculo de ESPECIALISTAS – uma rede de especialistas selecionados com conhecimento profundo e muitos anos de experiência. O conteúdo é baseado em avaliações individuais e está alinhado com o estado atual da ciência e da prática.
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