Corrupção e carne podre: A empresa de carnes JBS supera todas as resistências e vai a Wall Street


O que hoje é a maior empresa de alimentos do mundo começou em meados do século passado com um matadouro no oeste brasileiro. Numa área onde quase não havia habitantes na época, José Batista Sobrinho abateu gado – bem no meio das pastagens do cerrado. Ele secava a carne salgada ao sol e a vendia aos trabalhadores rurais.
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Em 1956, o governo iniciou a construção da capital, Brasília, nas proximidades. Zé Mineiro, como Batista era conhecido, viu sua oportunidade. Ele forneceu carne aos operários da construção. E assim o açougue se tornou o matadouro da JBS — nome que leva suas iniciais.
Do trabalho no matadouro à suíte executivaO negócio era lucrativo e trouxe riqueza a Batista. Seus três filhos, Wesley, Júnior e Joesley, foram colocados para trabalhar na fazenda ainda crianças. Aos 13 anos, já esfolavam gado. Na adolescência, dirigiam caminhões de gado em estradas rurais, negociavam com pecuaristas e davam lances em leilões. Em 2004, finalmente assumiram integralmente o negócio do pai e, em poucos anos, o transformaram na maior produtora de carne do mundo. A JBS é hoje a maior empresa de alimentos do mundo em faturamento – à frente até mesmo de líderes de mercado tradicionais como Nestlé e Pepsico.
Em meados de junho, a JBS abriu o capital em Nova York. Antes do IPO, os irmãos Wesley e Joesley reestruturaram completamente a empresa. Embora a sede operacional permaneça em São Paulo, eles transferiram a sede legal para a Holanda e estabeleceram a holding corporativa em Luxemburgo.
Para o IPO, eles criaram uma nova classe de ações ("Classe B") com 10 votos por ação. As ações "Classe A", negociadas em bolsa, por outro lado, têm direito a apenas um voto por ação. Especialistas financeiros da Barron's esperam que os dois irmãos garantam em breve 80% dos direitos de voto e quase metade do capital.
Até recentemente, não estava claro se os acionistas concordariam com essa destituição: consultores de investidores institucionais como a Glass Lewis e a ISS nos EUA se opuseram. Mas quando o banco de desenvolvimento brasileiro BNDES, que atualmente detém 18% do grupo, desistiu de sua oposição, os irmãos conseguiram implementar seu ambicioso plano.
"Nosso setor é muito complexo – precisamos de pessoas que entendam o negócio", afirma Guilherme Cavalcanti, CFO da JBS, justificando o controle irrestrito dos irmãos. Devido à sua vasta experiência no setor de carnes, os Batistas entendem as necessidades da empresa melhor do que acionistas que só se interessam por lucros de curto prazo. É por isso que outras empresas de alimentos também operam com duas classes de ações.
Mercado de carne complexoDe fato, os Batistas entendem o seu negócio como poucos. Hoje, a JBS produz e processa não apenas carne bovina, mas também aves, carne suína, peixes, ovos e carne vegetal. "Queremos ser o número um ou dois no mundo em todos os setores em que atuamos", afirma Gilberto Tomazoni, CEO da JBS.
Denis Balibouse / Reuters
Com 280.000 funcionários, a empresa tem tantos funcionários quanto a Nestlé, por exemplo. A JBS gera metade de suas vendas nos EUA, seguida pelo Brasil, com um quarto; Austrália, Ásia e Europa também são mercados importantes.
O mercado global de proteína animal é complexo: a JBS fornece seus produtos para aproximadamente 180 mercados em todo o mundo. Dependendo do mercado, ela vende os mesmos produtos a preços drasticamente diferentes. No Brasil, por exemplo, a carne bovina cozida é três vezes mais cara que o filé mignon, uma especialidade popular no churrasco. Intestinos bovinos, moelas e pés de frango são procurados na China, mas dificilmente na Europa.
Epidemias, escândalos, guerras ou disputas políticas entre países podem dificultar o acesso aos mercados da noite para o dia. As empresas alimentícias muitas vezes não conseguem repassar aos consumidores o aumento dos preços de rações animais, como o milho.
As vendas da JBS cresceram 20% desde 2020, mas sua margem de lucro caiu pela metade. Para aumentar os lucros, a JBS precisa investir mais em processamento e marcas. O diretor financeiro, Cavalcanti, anunciou que a JBS pretende gerar uma fatia maior de suas vendas com pratos prontos no futuro.
Para realizar os investimentos necessários, os antigos açougueiros provincianos agora têm acesso ao maior mercado de capitais do mundo, Wall Street. Com uma receita de US$ 77 bilhões no ano passado e uma capitalização de mercado de aproximadamente US$ 30 bilhões, a empresa em breve será incluída no índice S&P 500, que reúne as maiores empresas dos EUA. Investidores que investirem em índices também poderão comprar ações da empresa brasileira.
Os Batistas vêm trabalhando há muito tempo para forjar um conglomerado global centrado no negócio de proteínas como motor de geração de receita: a holding J&F Investimentos – que detém quase 50% da JBS – já é uma empresa amplamente diversificada, atuante em setores como celulose, energia, finanças, bens de consumo, mineração, mídia, imobiliário e educação. Essa diversificação visa permitir que o grupo gere retornos estáveis em diversos setores econômicos, compensando a volatilidade do negócio de carnes.
Ninguém queria ajudar os forasteiros endurecidosAté recentemente, ninguém imaginaria que essa ascensão fosse possível. Mas ela foi planejada com bastante antecedência. Já em 2007, quando abriram o capital da JBS na bolsa de valores brasileira, os Batistas falaram sobre seus planos de explorar o mercado financeiro americano para sua expansão global. Mas ninguém levou os cowboys a sério. No Brasil, poucos estavam dispostos a apoiar financeiramente os promissores e intransigentes. Os Batistas fizeram inúmeros inimigos durante sua ascensão ao poder.
Poucas empresas privadas no Brasil se envolveram com tanta frequência e profundidade em escândalos e processos judiciais quanto a JBS. Em 2017, por vezes, parecia que a maré de sorte dos Batista finalmente havia chegado ao fim. Um escândalo de carne podre prejudicou a reputação da empresa no Brasil. Ficou comprovado que a JBS havia exportado carne de gado criado em áreas de floresta tropical queimadas. Supermercados estrangeiros retiraram os produtos da JBS de suas prateleiras.
Ueslei Marcelino / Reuters
Além disso, ambos os irmãos foram condenados a vários meses de prisão a partir de setembro de 2017. Eles admitiram ter subornado sistematicamente políticos e juízes para obter financiamento do governo. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) havia fornecido US$ 4 bilhões para financiar a expansão da empresa brasileira no exterior, principalmente nos Estados Unidos, onde a JBS adquiriu a concorrente Swift e, posteriormente, a processadora de frango Pilgrim's Pride.
Os políticos participantes sempre recebiam uma parte do financiamento. Para Joesley Batista, comprar políticos fazia parte do acordo. "Funciona assim: você faz o seu negócio. Os políticos olham para isso e criam um problema. Aí você os paga para resolver o problema", explicou.
Posteriormente, a JBS concordou em pagar o equivalente a US$ 2 bilhões em multas ao Ministério Público brasileiro. Os Batista também aceitaram multas nos EUA por suborno e combinação de preços. No total, a empresa foi condenada a pagar a maior indenização já paga por uma empresa por corrupção no mundo.
Mas o vento agora mudou a favor da JBS. Um ministro do Supremo Tribunal Federal suspendeu a multa até 2023. Seu raciocínio foi que o acordo pode ter sido firmado involuntariamente.
Mas a reputação da JBS continua manchada. A listagem da JBS na Bolsa de Valores de Nova York transmite a mensagem errada, criticou Maíra Martini, CEO global da Transparency International, no X. Empresas com um longo histórico de corrupção, destruição ambiental e manipulação política não deveriam ter acesso fácil aos mercados globais de capitais. "Os investidores merecem transparência. A JBS deveria ser controlada de forma mais rigorosa, e não recompensada com prestígio."
Os Batistas também enfrentam resistência nos Estados Unidos. Eles se acostumaram a isso desde que começaram a adquirir uma empresa tradicional após a outra em 2007. No ano passado, vários membros do Congresso americano, incluindo o atual Secretário de Estado Marco Rubio, pediram às autoridades de concorrência que examinassem os efeitos potencialmente negativos do IPO da JBS sobre os pecuaristas norte-americanos.
Os investidores também estão hesitantes. As ações estão sendo negociadas com desconto significativo em relação a concorrentes americanas como Tyson, Hormel e McCormick. Os Batistas estão tentando resolver a oposição da maneira habitual. A Pilgrim's Pride, subsidiária americana da JBS, emitiu um cheque de US$ 5 milhões para a posse de Donald Trump. Foi a maior doação que o presidente recém-eleito recebeu de uma empresa.
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